Há
poucos dias, celebrava mais uma Eucaristia tendo diante dos olhos aquela Igreja
repleta de fiéis em busca de um alento espiritual e de um encontro pessoal com
o Senhor. Nos meus quase 9 anos de vida ministerial fui aprendendo com o tempo
que o único cansaço que o padre deve sentir é aquele que surge após uma
tentativa exaustiva de levar Deus ao coração dos irmãos e irmãs mais próximos.
Neste sentido a Santa Missa produz em mim uma grande estafa. Em meio a ritos
litúrgicos, tão necessários para expressar o mistério divino, me vejo como um
instrumento nas mãos de Deus, que deve dar o máximo de si para que outros
experimentem a beleza de estar em comunhão com o Senhor.
Naquela
Missa senti um cansaço terrível. Respirei fundo e em oração supliquei ao
Senhor, motivo de eu estar ali, que me acalentasse e sustentasse. Em minha
mente vinham pensamentos que confrontavam meus desejos particulares com um projeto
bem maior. Perguntava-me sobre o que Deus queria dizer com aqueles sinais
interiores. No momento da genuflexão, logo após apresentar o Corpo de Cristo à
assembleia reunida, senti um enorme peso nas pernas que quase não foram capazes
de elevar novamente meu corpo físico à posição de continuar a consagração.
Estranhei. Rezei o segundo momento da consagração e ao elevar o cálice pouco
acima do altar senti agora, não mais a dor sobre minhas pernas, mas um peso
terrível, quase insuportável sobre meus braços.
Contemplei Jesus Eucarístico. Naqueles poucos
segundos um filme passou em minha cabeça. Retornei no tempo, recordei o dia da
minha ordenação presbiteral, acontecida aos 19 de junho de 2004. Entre tantos
ritos que compõem o Sacramento da Ordem quando se reza a ordenação presbiteral,
somente um tomou plenamente conta de minha mente. Senti a profundidade e o peso
das palavras do meu bispo quando, ao entregar-me o cálice com a patena, disse: “Recebe a oferenda do povo
para apresentá-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o
que vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”.
Fiz novamente a genuflexão
e eis que as palavras ditas há quase 9 anos atrás ressoou mais forte em meus
ouvidos: “Recebe a oferenda do povo para
apresentá-la a Deus. Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que
vais celebrar, conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”. Naquele instante não tive dúvidas de que Deus
“sussurrava como um trovão” em minha consciência ministerial. Sim, “sussurrava
como um trovão”, pois Deus é suave, mas seu ensinamento nos confronta como um
trovão. Amedronta, mas também nos faz zelosos para com seus mistérios.
Outros poucos segundos se
passaram até que me colocasse de pé e ao olhar a patena com o Corpo de Cristo e
o cálice, com o Sangue de Cristo, sobre o altar, senti a voz trêmula e a emoção
de poder dizer aos que ali estavam para encontrarem o Senhor: “Eis o mistério da fé”[2].
Continuei celebrando, mas aquelas palavras não me abandonavam. Parecia que o
Senhor queria que eu experimentasse a doçura e ao mesmo tempo o peso destas
palavras que, para alguns, passam despercebidas durante o rito da Ordenação; para
outros, durante toda a vida ministerial.
“Recebe a oferenda do povo para apresentá-la a Deus.
Toma consciência do que vais fazer e põe em prática o que vais celebrar,
conformando tua vida ao mistério da cruz do Senhor”. Mudando o discurso para o plural: somos ministros
sagrados do Senhor. Nosso dever é coletar com nossa vida todas as oferendas que
o povo de Deus apresenta. Tais oferendas contemplam as alegrias de ser um povo
eleito, mas também as dores que dilaceram a caminhada de tantos irmãos e irmãs.
Principalmente na dor, estes nos procuram para sermos para eles como ponte,
capaz de ligar suas angústias e dores Àquele que carregou nos ombros o fardo
dos nossos pecados. Assim sendo, não podemos, jamais, deixar de acolher – para,
depois, apresentar – as oferendas apresentadas a Deus por este povo escolhido,
representadas no pão e no vinho, colocados sobre o altar. Este simples sinal
material traz consigo o peso do mundo marcado pelas dores de tantos e tantas
que não possuem outra coisa senão o consolo de Deus.
Ao tomarmos na mão o pão e
o vinho como símbolos desta oferta de vida, devemos nos conscientizar de que
nossa missão maior é ser sinal de esperança em meio ao mundo marcado por
desilusões. Nós, presbíteros, não somos funcionários do sagrado e nem devemos
nos sentir assim. Somos homens de Deus, marcados pela Graça Sacerdotal do
Senhor, para levar Sua paz e serenidade, principalmente àqueles que perderam o
sentido da vida. O próprio Cristo disse: “Eu
vim para que todos tenham vida e vida em plenamente” (Jo 10, 10). Como seguidores
do Salvador, somos chamados a promover esta vida em plenitude onde quer que
estejamos.
Por isso devemos conformar
nossa vida a vida de Cristo. A busca de compreensão do que significa ser
ministro do sagrado passa por uma espiritualidade de escuta atenta dos
desígnios de Deus e uma conformação de nossa vida com a do Senhor. Essa se dá na vivência do que é próprio do
presbítero: homem de oração, chamado a consagrar e levar Cristo aos irmãos e
irmãs; exemplo de caridade e compreensão; homem paciente, acolhedor; sinal de
reconciliação a exemplo de Cristo que tudo perdoa. Enfim, devemos ser Bons
Pastores como Jesus o foi. Mesmo que o cansaço, produzido pelas inúmeras
atividades pastorais e administrativas do nosso dia-a-dia nos tire a
consciência do que somos, é na oração e no convívio fraterno entre nós sacerdotes
– que desempenhamos esta mesma vocação – que encontraremos as forças
necessárias, juntamente com o discernimento do Espírito, para compreendermos
nosso papel em meio a este mundo.
Por fim, posso dizer que
aquela celebração eucarística mudou drasticamente o meu modo de perceber os
mistérios e desígnios de Deus. Percebi que o cansaço não era somente físico,
mas antes de tudo espiritual: elevar e apresentar o Corpo e Sangue de Cristo
para os fiéis que o buscam sedentos pesa sobre meus braços e pernas, não porque
Jesus Cristo seja um fardo pesado, pois Ele mesmo disse: “meu fardo é leve e o meu jugo é suave” (Mt 11, 30), mas sobretudo porque
deixo, muitas vezes, de “conformar” minha vida à vida do Senhor.
O cansaço espiritual nasce
da falta de sintonia com Deus, da falta de comunhão de projetos. Nasce do
egoísmo de querer viver um ministério “individual”. De querer ser sacerdote por
status ou por interesse. Todas as vezes que levantarmos Jesus Cristo nas
espécies do pão e do vinho sobre o altar, tendo estas motivações mundanas no
coração e na mente, Ele nos fará sentir, em nosso corpo físico, que algo deve
ser mudado.
Aproveitemos esse tempo de
mudança vivido na Igreja de Jesus. Tenhamos como exemplo a docilidade de espírito
e a capacidade de reconhecer a grandeza de Deus que teve Sua Santidade Bento
XVI, o nosso querido Papa Emérito. Reconheçamos que a “Igreja não é minha, não é nossa, mas é do Senhor”[3]
e tomemos consciência de que, somente conformando nossa vida à vida do Cristo
Salvador, seremos capazes de oferecer um “Sacrifício
que realmente seja aceito por Deus Pai[4]”,
sem peso nem temor, vivendo somente a graça de sermos livres no amor.
Pe. Fábio Geraldo da Costa
Formador da Comunidade de Teologia - Belo Horizonte-MG
Aos 28.02.2013 – último dia do Pontificado do
Papa Bento XVI.
[1] Pontifical
Romano, Ordenação do Bispo, dos
Presbíteros e Diáconos, 3 ed. Conferência Episcopal Portuguesa, p. 107.
[Arquivo em pdf em: http://www.liturgia.pt/pontificais/Ordenacoes.pdf,
acessado em 28.02.2013].
[2] Missal
Romano, Oração Eucarística I, 6 ed.,
Paulus, São Paulo 1992, p. 473.
[3] BENEDETTO XVI, Udienza Generale del Mercoledi 27.02.13. [em: www.vatican.va acessado em 28.02.2013].
[4]
Missal Romano, Rito da Missa com povo,
6 ed., Paulus, São Paulo 1992, p. 403.